Aquivo Digital da Pós-Graduação em Letras UFPE

25 de maio de 2004

Maria do Socorro de Assis Monteiro

Repente: do canto árabe aos sertões nordestinos

Orientação: Luzilá Gonçalves Ferreira
Área de Concentração: Teoria da Literatura

O Repente é o que pode chamar, com exatidão, de arte democrática, fruto que é do espaço que ocupa, da característica de seus produtores, dos motivos da terra e das suas gentes. Seu nascedouro são aglomerados humanos, rurais, de igual padrão social; seus feitores são artistas nitidamente populares, cantadores do lugar; seus temas são estimulados pela conjuntura da terra e do homem, e envolvem, numa espécie de lirismo, o sentimento amoroso, os problemas sociais a natureza, a religião e Deus, além de um escárnio com ar de desdém aos políticos e às políticas atuais, entre muitos outros motivos. Essa modalidade artística ainda enfrenta muitos desafios, e o principal deles diz respeito à forma preconceituosa com que é vista por aqueles ditos apreciadores da arte superior. Isso restringe (em parte) o espaço da mobilidade do Repente, como se toda arte devesse seguir os padrões artísticos internacionais, tradicionalmente arraigados nos meios escolares da Europa e disseminados pelos demais continentes. Os olhares postos no Repente, buscaram, na maioria das vezes, examinar as raízes da cultura brasileira, seu vínculo com o universo europeu, seu lado pitoresco, anônimo, folclórico, e isso distanciaria esta arte de toda erudição. Essa distância estaria, na verdade, cada vez mais tênue, e isto é comprovável na simples observação das chamadas obras clássicas, a exemplo da Ilíada, de Homero, de Os Lusíadas, de Luis de Camões, entre outras. A fusão de linguagens, organizadas em "níveis" mesclados de erudição e popular, bem como a provável autoria desses cantos atribuída por muitos estudiosos, a cantores populares, contribuiriam para o fortalecimento da conexão entre o popular e o erudito. O cultivo da oralidade, característica impar da arte repentista, aponta para os primórdios da existência poética do Repente, posto que a “voz” é anterior a qualquer expressão comunicativa do homem, e essa voz estaria vinculada ao ritmo, primeira descoberta anterior a linguagem, segundo Otávio Paz. O ritmo havia de ser o poético da vida e foi percebido a partir do compasso do coração, dos movimentos de respiração, da marcha dos pés, do movimento dos astros, da luz e das trevas, das marés: enfim, o ritmo preexiste a qualquer linguagem verbal. O Repente não tem valor meramente sociológico, antropológico, não está no lugar do passado, como muitos preferem ver, mas é vivo está a nossa volta, visível, audível, comunicando ao homem, sensibilizando-o, pelo canal mais precioso, direto e real: a voz dos cantadores repentistas.

» E-book disponível para acesso na Sala de Leitura César Leal - Centro de Artes e Comunicação - Campus UFPE

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